O que é Química Verde?

O seguinte caso exemplifica o impacto do descarte indevido de produtos químicos perigosos a saúde humana
Na localidade da Cidade dos Meninos, município de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, no ano de 1950, foi construída uma fábrica para produzir um pesticida conhecido como pó de broca. No mesmo lugar, além do pó de broca, também eram desenvolvidas pesquisas e produção de outros pesticidas, como o Verde Paris e o DDT. Porém, cuidado! Não se engane com esses nomes, pois estes nomes representam substâncias extremamente tóxicas. A substância de nome hexaclorociclohexano (HCH), que é o pó de broca da nossa história, é um pesticida organoclorado também conhecido como BHC. Já o Verde Paris era um pesticida constituído de arsenito de cobre, uma substância extremamente tóxica. Por sua vez, o DDT que igualmente ao pó de broca também é um pesticida organoclorado, tem o nome de diclorodifeniltricloroetano.
A produção de pesticidas desta fábrica destinava-se ao controle de doenças infecciosas, transmitidas por vetores. Dentre essas doenças podemos citar malária, febre amarela e doença de Chagas. Em 1955, a fábrica fechou e os produtos tóxicos foram deixados no local. Na época, muitos moradores chegaram a dizer que na Cidade dos Meninos havia por volta de 400 toneladas de pó de broca. Sabe-se que o número citado pelos moradores não está muito distante da realidade, sendo que diversos estudos consideram toda área da Cidade dos Meninos contaminada por níveis desconhecidos de pó de broca. O problema é que muitos moradores usaram o pó de broca, que ficou abandonado na fábrica, para diversas finalidades como matar piolhos, inseticida de casas e quintais, pavimentação de estrada, além de ser comercializado e vendido nas feiras locais.
O texto “O (des)caso da Cidade dos Meninos”retrata a negligência com a saúde dos moradores e com o meio ambiente. A segurança das pessoas e do meio ambiente faz parte do conjunto de princípios da chamada Química Verde. A Química Verde busca reduzir ou eliminar os perigos para a saúde humana e o meio ambiente relacionados à liberação de poluentes.
Na década de 1980, a indústria química e a  Agência de Proteção Ambiental (EPA), ao invés do típico tratamento e remediação, começam a pesquisar maneiras de prevenir a poluição. Conforme definição de Anastas e Warner (1998):1

Química Verde é “a invenção, desenvolvimento e aplicação de produtos químicos e processos, para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias perigosas à saúde humana e ao meio ambiente”.

Os 12 princípios da Química Verde contribuem para a conscientização dos químicos sobre diversos aspectos da Química, como as questões associadas a poluição4.
Como a indústria Química pode diminuir ou eliminar a geração de resíduos? Um modo de reduzir os resíduos é desenvolver processos químicos que não os produzam.8 Uma forma de atingir esse objetivo é aplicar os 12 princípios da Química Verde. O primeiro princípio da Química Verde nos diz:
“É melhor prevenir a formação de resíduos do que tratar ou limpar os resíduos depois de terem sido criados.”1
A aplicação do princípio da formação de resíduos é fundamental para medir o desperdício de materiais. Tradicionalmente, os químicos têm se preocupado exclusivamente com o rendimento do produto. O Fator E, descrito por Roger Sheldon, é uma medida de massa que tem como objetivo a minimização da produção de resíduos. Podemos calcular o Fator E através da seguinte expressão matemática5:
Um fator E elevado significa mais desperdício e, consequentemente, maior poluição. Na prática o Fator E é frequentemente bastante elevado: produzem-se muitos mais resíduos do que produto! O valor ideal do Fator E é zero, que ocorreria se não houvesse produção de quaisquer resíduos5.
No quadro5 acima é possível observar o problema da formação de resíduos para diversos segmentos da indústria Química. Chama a atenção o setor da indústria farmacêutica. Nesse setor da indústria química, para se obter um quilograma de produto, são gerados mais de 100kg de resíduos5.
A economia de átomos introduz o princípio 2 :
Métodos sintéticos deveriam ser desenhados para maximizar a incorporação de todos os materiais usados no processo dentro do produto final.1
A economia atômica permite avaliar a incorporação dos átomos dos reagentes no produto, excluindo reagentes auxiliares, catalisadores, solventes, etc5.
% Economia Atômica = (MM do produto/Soma das MM de todos os reagentes) x 100
Para avaliar a eliminação ou minimização de resíduos numa reação de síntese ou processo industrial e a eficiência de utilização da matéria utilizamos medidas de massa. Essas medidas e grandezas são chamadas de métricas de massa. Fator E e economia atômica são exemplos de métricas de massa. Porém, essas variáveis não fornecem informações suficientes para fazer uma avaliação do grau “verde” de uma reação ou processo7.
Considere a seguinte situação hipotética: três rotas químicas (A, B e C) são possíveis para a síntese de um dado produto químico. Cada uma dessas rotas apresentou diferentes valores para o Fator E (razão entre a massa total de resíduos formados e a massa de produto obtido). Qual rota (A, B ou C) é a mais verde?6 
A rota B apresenta o menor valor do Fator E (ou seja, a rota que produz menos resíduos). Entretanto, os resíduos da rota B podem ser mais perigosos do que os resíduos das rotas A e C. O Fator E avalia a formação de resíduos, mas não avalia a toxicidade dos resíduos produzidos e as necessidades do seu tratamento. Mesmo restritas, representam uma mudança importante na Química6.

Referências

1. ANASTAS, P. T.; WARNER, J. C. Green Chemistry: Theory and Practice, Oxford University Press: New York, 1998.

2. FERREIRA, V. F.; ROCHA, D. R.; SILVA, F. C. Química Verde, Economia Sustentável e Qualidade de Vida. Revista Virtual de Química, v.6, nº1, p.85-11, 2014.

3. HERCULANO, S. Exposição a riscos químicos e desigualdade social: o caso do HCH (Hexaclorociclohexano) na Cidade dos Meninos, RJ. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n.5; 61-71, jan/jun, 2002.

4. MACHADO, A. A. S. C. Da gênese ao ensino da Quimica Verde. Química Nova, v.34, nº3, p.535-543, 2011.

5. MACHADO, A. A. S. C. Introdução às métricas de Química Verde – Uma visão sistêmica. Florianópolis: Ed. UFSC, 2014.

6. MERCER, S. M.; ANDRAOS, J.; JESSOP, P. G. Choosing the Greenest Synthesis: A Multivariate Metric Green Chemistry Exercise. Journal Chemistry Education, v. 89, p. 215-220, 2012.

7. SHELDON, Roger. A. Atom efficiency and catalysis in organic synthesis. Pure and Applied Chemistry, v. 72, n. 7, p. 1233-1246, 2000.

8. CROWL, D. A.; LOUVAR, J. L. Segurança de Processos Químicos: fundamentos e aplicações. Tradução de Bruno de Alemida Barbabela e Carlos André Vaz Júnior. 3 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015.
Desenvolvimento da página
Pesquisadora: Patricia Link Rüntzel
Design: Taina Apoena Bueno de Oliveira
Agradecimentos: A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) pela bolsa de doutorado de Patricia Link Rüntzel.
Ao Projeto CNPq Pró-Humanidades 420046/2022-4 – Quimidex Ambiental – Ciência para o Desenvolvimento Sustentável